Foto: Reprodução
A aposentada piauiense Cáritas Maria de Miranda Cruz, de 64 anos, vive neste domingo (8) o primeiro Dia Internacional da Mulher depois de realizar um sonho: concluir um curso superior. Impedida pelo marido de estudar, ela diz que o tempo que passou casada, 38 anos, foi uma “tempestade”.
Cáritas ainda carrega as marcas do relacionamento abusivo com um homem extremamente machista. Nas agressões físicas ele chegou a quebrar um braço de Cáritas e, na tortura psicológica, dizia que ela era analfabeta, “sem vergonha” porque queria trabalhar e a proibiu de estudar. Hoje, ela conta com um sorriso no rosto as vitórias que conquistou após a separação, há apenas seis anos.
O casamento aconteceu quando os dois tinham 20 anos e, depois que a primeira filha do casal faleceu vítima de leucemia, aos quatro anos, as agressões começaram. Ela tiveram, depois, mais dois filhos.
“Acho que ele me batia mais porque eu nunca fiquei calada, eu respondia. Por tudo ele brigava, me batia, me xingava. Dizia que eu era analfabeta, que eu era burra. E quando eu tentava trabalhar, dizia que era coisa de sem vergonha. Eu trabalhava à noite e ele dizia que era coisa de vagabunda”, lembra.
Proibições
Cáritas conseguiu concluir o curso técnico em enfermagem e atuou na área, mas como dava plantões noturnos, ele pediu ao chefe de Cáritas que a demitisse. Ela chegou também a fazer um curso pedagógico para dar aulas e passou em um concurso, mas ele exigiu que ela se demitisse e parasse de trabalhar. Aos 36 anos, ela deixou o cargo. Depois, chegou a ser aprovada para o curso superior em enfermagem, mas o marido a impediu de cursar.
“A gente fica cega, fica burra. É das coisas que eu mais me arrependo. Tive meus filhos muito nova, com 26 anos ele fez eu ‘ligar’, não podia mais ter filhos, não era mais ninguém. E foi por eles que acabei aguentando tudo isso por tanto tempo e me arrependo. Eu me arrependo porque hoje nem eles reconhecem isso tanto assim, deixei de viver muita coisa”, lamenta.
As violências atingiram Cáritas em diversos aspectos da vida e deixaram sequelas profundas. O machismo do marido chegou ao ponto de fazê-lo sempre acompanhá-la à igreja e às reuniões para os terços e novenas dos quais ela sempre gostou de participar. Ele ainda proibiu a mulher de tocar violão, algo que hoje ela não consegue mais fazer.
“Deixou algo em mim tão forte, o jeito como ele dizia que isso não era coisa de mulher que prestava, era coisa de mulher que vivia em bar, na noite, que hoje eu não consigo. Comprei um teclado e ainda consigo acompanhar partituras, mas de cabeça não consigo mais tocar”, confidencia.
Separação e superação
Depois que os dois filhos saíram de casa e casaram, veio o golpe final: Cáritas descobriu que o marido tinha outra família havia mais de 10 anos. Pediu a separação e saiu de casa sem nada, mesmo com determinação judicial para que ele lhe cedesse parte dos bens conquistados ao longo de quase quatro décadas de união.
Com ajuda da família e de recursos que tinha, ela hoje tem um apartamento, um carro e é aposentada por tempo de serviço. Os filhos ajudam com o pagamento de um plano de saúde e vale-alimentação. Depois de um ano separada, decidiu recomeçar: prestou vestibular para direito e foi aprovada.
Ela concluiu o curso em cinco anos e vai prestar o exame da Ordem dos Advogados do Brasil em maio de 2020, mês em que fará a colação de grau. Ela ainda encontra tempo para costurar, fez um curso de fotografia, faz brownies para vender, faz crochê e participa de diversas atividades ao longo do ano na igreja que frequenta.
Ela diz que, apesar das conquistas, sente o peso do preconceito por ser mulher e por não ser jovem.
“A gente superou muita coisa, fala-se muito de feminicídios, mas ainda tem muita coisa pela frente. A mulher ainda enfrenta muito preconceito. Tenho medo de não me contratarem, pela minha idade, por ser mulher, mas tenho fé que tudo dará certo”.
Pela casa, Cáritas mantém diversas imagens católicas e um quarto que ela transformou em um escritório onde estuda. Ela diz que não gosta de ficar parada, está sempre lendo revistas, artigos científicos e exercitando a memória respondendo provas, porque ainda tem planos: tentar aprovação em um concurso público.
“Eu na minha idade não queria mais estar trabalhando, queria estar aposentada, viajando. É meu maior arrependimento, não ter estudado, não ter tido meu trabalho, meu sustento por conta própria. Mas hoje estou estudando pra concurso e tenho muito orgulho da história que construí. Depois de tanto tempo, consegui sair da situação que eu estava”, comemora.
Fonte: G1 PI
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